sexta-feira, 27 de março de 2009

Teatro de Arena da UnB vai renascer na inquietação


Teatro de Arena vai renascer na inquietação

Cenário de ações do movimento estudantil, espaço vai receber calouros e veteranos para atividade que encerra projeto Ocupe

Fabiana Vasconcelos
Da Secretaria de Comunicação da UnB

A utopia tem data para voltar ao Teatro de Arena da Universidade de Brasília. O lugar onde estudantes se reuníram para protestar contra a ditadura, pedir a campanha das Diretas Já e questionar o mundo por meio da arte será palco da Aula da Inquietação, no dia 31 de março, a partir das 9h.

“Queremos instigar a comunidade universitária, sobretudo os alunos, para que tenham pensamentos interpelantes, não conformistas, que rompem fronteiras e saem do lugar comum”, afirma o reitor da UnB, José Geraldo de Sousa Jr.

A tarefa de provocar os universitários estará nas mãos do teólogo Leonardo Boff e do rapper brasiliense Gog, que vão encarar uma platéia única. Há um ano, os estudantes renovaram o sentido do movimento estudantil com o lema “E vai nascer, vai nascer, uma nova UnB”. O "grito de guerra" foi criado durante a ocupação da Reitoria, em abril de 2008.

A atividade do dia 31 não poderia ser em local mais apropriado. “Este é um espaço verdadeiramente histórico, que foi cenário das grandes manifestações políticas e culturais da UnB. A aula é uma maneira de fazê-lo personagem do próprio processo”, reforça José Geraldo.

RESISTÊNCIA – A Aula da Inquietação será um encontro com a história de resistência e luta da UnB. Professor do Departamento de Antropologia (DAN) hoje e aluno em 1977, Gustavo Lins Ribeiro, 55 anos, vivenciou a repressão. “A gente tinha muito medo, mas a necessidade de lutar contra o autoritarismo dava coragem a todos. Como era um movimento muito massivo, nos sentíamos muito fortes”, diz ele, que foi preso por subversão e ficou 31 dias na cadeia da Polícia Federal.

O prefeito do Campus Silvano da Silva Pereira lembra que o então reitor subestimava a capacidade de mobilização dos estudantes, entraram em greve geral em 1977. “O José Carlos Azevedo (reitor) era um agente da repressão e, para desqualificar o movimento, disse que era uma minoria sem importância”, lembra. “Por incrível que pareça, no outro dia foi feita a assembléia com mais de 5 mil alunos. Naquela época a UnB devia ter 8 mil estudantes. Denominamos que lá era o Teatro da Minoria, para mostrar que minoria era aquela.”

HISTÓRIA - A fase mais intensa do Teatro de Arena ocorreu nos anos 1970 e 1980, quando eram comuns protestos contra a expulsão de alunos, debates políticos e mobilizações para eleições diretas para reitor, em 1984. “O processo da UnB se confundia com o processo da política brasileira”, diz a coordenadora do Núcleo de Pesquisa História do Centro de Documentação da UnB, Maria Goretti Vulcão.

Carlos Alberto Torres, professor do Departamento de Administração afirma que havia uma percepção coletiva de que era necessário agir. “O Teatro era um espaço da liberdade. A geração que enfrentou os militares tinha um grande sentimento de missão e a nossa universidade não permitia a nós ficarmos alheios a isso”, ressalta.

“Eles acreditavam que fôssemos perigosos. Gosto de pensar que éramos mesmo”

Darcy Ribeiro


Com o término dos anos de chumbo, atos contra a corrupção em 1992 e a expressão pela arte tomaram o local. O Teatro recebeu três edições do Festival Latino Americano de Arte e Cultura (Flaac), em 1987, 1989 e 1996. “Era um momento de efervescência cultural muito grande. Os professores e alunos estavam muito mobilizados em fazer o Flaac acontecer”, diz Maria Goretti Vulcão, então estudante de Artes Plásticas.

PERSONALIDADES – Os 1.317m² do local ficaram pequenos em 1995 para a homenagem ao antropólogo Darcy Ribeiro, fundador da UnB. Em fevereiro daquele ano, ele recebeu o título de Doutor Honoris Causa. “Foi muito emocionante, o Teatro estava lotado. A UnB foi muito controlada porque estava 'no quintal' do Palácio do Planalto, e ali estava um símbolo da resistência. Tudo isso criou uma aura”, diz o professor Carlos Alberto Torres.

A técnica administrativa do Arquivo Fotográfico da UnB Lúcia Araújo lembra da emoção que o intelectual transmitia para a platéia. Ao final do discurso (http://www.unb.br/unb/titulos/darcy_ribeiro.php), ele pede que volte ao campus a convivência alegre, o espírito fraternal e a devoção profunda ao domínio do saber e agradece. “Necessitava muito dessas expressões de admiração e carinho”, afirmou.

ÚNICO LUGAR PARA SENTAR

A área verde da UnB entre o Minhocão, a Biblioteca e a Reitoria deveria ter praças e bancos para que os estudantes pudessem se reunir. Mas o temor do governo militar em favorecer esses espaços de discussão fez com que nem as praças nem os bancos saíssem do papel.

Um dos poucos lugares de “parar, ver e estar” que se tornou realidade foi o Teatro de Arena, inaugurado em 1974. O paisagista e arquiteto Fernando Chacel, que projetou o local, tem um apreço especial pela obra. “Um amigo me mandou uma fotografia bonita da arena cheia de pessoas. Fiquei satisfeito e orgulhoso de projetá-la. Era uma coisa fantasticamente utilizada, uma espécie de ágora.”

Vivendo hoje no Rio de Janeiro, aos 77 anos, o especialista lembra que o projeto da UnB previa a ligação direta das salas de aula com as áreas verdes. “A ideia não foi concretizada, foi mutilada, a intensão era aprisionar os alunos nas salas de aula.”

Em 2005, Chacel, considerado um dos maiores paisagistas brasileiros, recebeu honraria da Dumbarton Oaks, um dos mais famosos institutos de paisagismo, ligado à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

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