sábado, 16 de outubro de 2010

Carta de Dilma ao PV

Brasília, 14 de outubro de 2010.

Senadora
Marina Silva

Prezada Marina,

Quero, por seu intermédio, fazer chegar à direção do Partido
Verde meus comentários sobre a Agenda por um Brasil Justo e
Sustentável, que foi entregue à coordenação de minha campanha.
Antes de tudo, saúdo a iniciativa de condicionar o posicionamento
de seu partido a uma discussão de caráter programático. Ela é
necessária e oportuna, sobretudo quando se verifica uma
lamentável tentativa de mudar o foco do debate eleitoral para
questões que, tendo sua relevância como temas de sociedade, não
estão, no entanto, no centro da reflexão que o país necessita
realizar para definir seu futuro.

Reiterando meus cumprimentos pelo expressivo resultado que sua
candidatura obteve no primeiro turno das eleições, quero dar às
observações que seguem um sentido que transcende em muito
uma dimensão estritamente eleitoral. Nosso diálogo tem um
significado futuro. Envolve as condições de governabilidade do
país.

As observações que seguem refletem nossa primeira percepção da
Agenda. Elas deverão ser objeto de novos aprofundamentos.

1 - Transparência e ética

O Governo atual tem-se empenhado em garantir a mais absoluta
liberdade de imprensa no país, posição com a qual me encontro
pessoal e partidariamente comprometida.

Por outro lado, as avançadas medidas de transparência de
informações sobre a execução orçamentária e de contratos
deverão ser aprofundadas com rapidez nos próximos anos.

2 - Reforma Eleitoral

Tenho dito que este tema é fundamental para o amadurecimento
da democracia no país. Sendo questão a ser tratada no âmbito do
Congresso Nacional, considero que a Presidência da República
não deve estar alheia ao tema. Penso que, sobre a maior parte das
questões, estamos de acordo e que a forma definitiva que deve
assumir a reforma política tem de ser resultado de amplo acordo
envolvendo o bloco de sustentação do Governo, partidos que nele
não estejam incluídos e, igualmente, as oposições.

Educação para a sociedade do conhecimento

Manifestamos nosso acordo com todos os pontos deste item.

Segurança Pública

Em sintonia com o sentimento da sociedade brasileira, temos
dado especial atenção aos temas da segurança. Temos insistido –
na contramão de outras propostas – que a segurança pública não
se esgota nas ações repressivas, mas deve ser complementada por
políticas públicas em regiões onde o Estado esteve e ainda está
ausente. No plano puramente repressivo, defendemos o
fortalecimento de ações de inteligência e o emprego de modernas
tecnologias. O Governo Lula instituiu, no âmbito do Pronasci, a
Bolsa PROTEJO, que beneficia jovens em processo de formação.

Concordamos em que uma melhor remuneração dos policiais é
fundamental para garantir a dedicação exclusiva a suas funções.
Um primeiro passo foi dado a partir de 2008, com a instituição da
Bolsa Formação, que beneficiou desde sua criação mais de 350
mil policiais. A necessidade indiscutível de um piso nacional de
remuneração para policiais tem de ser objeto de um pacto entre a
União, os Estados e os Municípios. Essas e outras questões
deverão ser objeto de uma PEC a ser enviada no menor prazo
possível, consultados os entes federativos. Meu programa prevê a
revisão do modelo atual de segurança pública e a
institucionalização de um Sistema Único de Segurança Pública.

3 - Mudanças climáticas, energia e infra-estrutura

Expressando nossa concordância com a maior parte dos pontos
contidos neste item, considero que há questões que devem ser
objeto de aprofundamento e/ou negociação.
É o caso da criação de uma Agência Reguladora para a Política
Nacional de Mudanças Climáticas. Mas temos acordo quanto à
necessidade de um arcabouço institucional capaz de coordenar,
implementar e monitorar iniciativas nesse setor.

A supressão do IPI sobre a fabricação de veículos elétricos e
híbridos deve ser compatibilizada com nossa produção de etanol e
nossa capacidade de geração elétrica. Pode-se propor política
tributária diferenciada para veículos e outros bens que emitam
menos GEE.

A proposta de moratória sobre a criação de novas centrais
nucleares exige aprofundamento à luz das necessidades
estratégicas de expansão de nossa matriz energética.
Seguridade Social: saúde, assistência social e previdência
Há concordância com todos os itens, com ressalva quanto à
redução, no curto prazo, da população de referência para o PSF,
pois implicaria aumentar as necessidades de profissionais além de
uma capacidade imediata de resposta do sistema.

Proteção dos biomas brasileiros

Nosso Programa dá ênfase à proteção dos biomas nacionais. Por
essa razão, estamos de acordo com a meta de incluir 10% dos
biomas brasileiros em unidades de conservação A proposta de
desmatamento de vegetação nativa primária e secundária em
estado avançado de regeneração merece precisão.

Estamos de acordo sobre a prioridade de proteção da Amazônia,
Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica, dentro de uma estratégia
ambientalmente sustentável de ocupação e uso do solo e inclusão
social.

Da mesma forma, é nossa prioridade a ação consistente na
recuperação de áreas degradadas, a exemplo do Programa Palma
de Óleo, na Amazônia.

Consideramos excelente a proposta de um Plano Nacional para a
Agricultura Sustentável.

4 - Sobre o Código Florestal,

expresso meu acordo com o veto a
propostas que reduzam áreas de reserva legal e preservação
permanente, embora seja necessário inovar em relação à
legislação em vigor. Somos totalmente favoráveis ao veto à
anistia para desmatadores.

Gasto público de custeio e Reforma Tributária

Estamos de acordo com todos os itens.
Consideramos necessário afastar-nos de um conceito conservador
de custeio que traz embutida a noção de Estado mínimo. A
eficiência do Estado está ligada à qualificação dos servidores
públicos. Daremos prioridade ao provimento de cargos com
funcionários concursados.

Política Externa

Há acordo total com o expresso no documento.

Enfatizamos a necessidade de garantir presença soberana do
Brasil no mundo, de fortalecer os laços de solidariedade com os
países do Sul, em especial os da América Latina, com os quais
compartilhamos história e valores comuns e estamos ligados pela
necessidade de defesa de um patrimônio ambiental comum.
Defendemos, igualmente, a necessidade de lutar pela reforma e
democratização dos organismos multilaterais.

Fortalecimento da diversidade socioambiental e cultural
Pretendo dar continuidade e profundidade às políticas que foram
seguidas neste campo pelo Governo do Presidente Lula.

Com apreço,

Dilma Rousseff

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito

O VOTO DO NORDESTE: para além do preconceito



Tânia Bacelar de Araujo





A ampla vantagem da candidata Dilma Rousseff no primeiro turno no Nordeste reacende o preconceito de parte de nossas elites e da grande mídia face às camadas mais pobres da sociedade brasileira e em especial face ao voto dos nordestinos. Como se a população mais pobre não fosse capaz de compreender a vida política e nela atuar em favor de seus interesses e em defesa de seus direitos. Não “soubesse” votar.



Desta vez, a correlação com os programas de proteção social, em especial o “Bolsa Família” serviu de lastro para essas análises parciais e eivadas de preconceito. E como a maior parte da população pobre do país está no Nordeste, no Norte e nas periferias das grandes cidades (vale lembrar que o Sudeste abriga 25% das famílias atendidas pelo “Bolsa Família”), os “grotões”- como nos tratam tais analistas – teriam avermelhado. Mas os beneficiários destes Programas no Nordeste não são suficientemente numerosos para responder pelos percentuais elevados obtidos por Dilma no primeiro turno : mais de 2/3 dos votos no MA, PI e CE, mais de 50% nos demais estados, e cerca de 60% no total ( contra 20% dados a Serra).



A visão simplista e preconceituosa não consegue dar conta do que se passou nesta região nos anos recentes e que explica a tendência do voto para Governadores, parlamentares e candidatos a Presidente no Nordeste.



A marca importante do Governo Lula foi a retomada gradual de políticas nacionais, valendo destacar que elas foram um dos principais focos do desmonte do Estado nos anos 90. Muitas tiveram como norte o combate às desigualdades sociais e regionais do Brasil. E isso é bom para o Nordeste.



Por outro lado, ao invés da opção estratégica pela “inserção competitiva” do Brasil na globalização - que concentra investimentos nas regiões já mais estruturadas e dinâmicas e que marcou os dois governos do PSDB -, os Governos de Lula optaram pela integração nacional ao fundar a estratégia de crescimento na produção e consumo de massa, o que favoreceu enormemente o Nordeste. Na inserção competitiva, o Nordeste era visto apenas por alguns “clusters” (turismo, fruticultura irrigada, agronegócio graneleiro...) enquanto nos anos recentes a maioria dos seus segmentos produtivos se dinamizaram, fazendo a região ser revisitada pelos empreendedores nacionais e internacionais.



Por seu turno, a estratégia de atacar pelo lado da demanda, com políticas sociais, política de reajuste real elevado do salário mínimo e a de ampliação significativa do crédito, teve impacto muito positivo no Nordeste. A região liderou - junto com o Norte - as vendas no comercio varejista do país entre 2003 e 2009. E o dinamismo do consumo atraiu investimentos para a região. Redes de supermercados, grandes magazines, indústrias alimentares e de bebidas, entre outros, expandiram sua presença no Nordeste ao mesmo tempo em que as pequenas e medias empresas locais ampliavam sua produção.



Além disso, mudanças nas políticas da Petrobras influíram muito na dinâmica econômica regional como a decisão de investir em novas refinarias (uma em construção e mais duas previstas) e em patrocinar - via suas compras - a retomada da indústria naval brasileira, o que levou o Nordeste a captar vários estaleiros.



Igualmente importante foi a política de ampliação dos investimentos em infra-estrutura – foco principal do PAC – que beneficiou o Nordeste com recursos que somados tem peso no total dos investimentos previstos superior a participação do Nordeste na economia nacional. No seu rastro,a construção civil “bombou” na região.



A política de ampliação das Universidades Federais e de expansão da rede de ensino profissional também atingiu favoravelmente o Nordeste, em especial cidades médias de seu interior. Merece destaque ainda a ampliação dos investimentos em C&T que trouxe para Universidades do Nordeste a liderança de Institutos Nacionais – antes fortemente concentrados no Sudeste - dentre os quais se destaca o Instituto de Fármacos ( na UFPE) e o Instituto de Neurociências instalado na região metropolitana de Natal sob a liderança do cientista brasileiro Miguel Nicolelis que organizará uma verdadeira “cidade da ciência” num dos municípios mais pobres do RN ( Macaíba).



Igualmente importante foi quebrar o mito de que a agricultura familiar era inviável. O PRONAF mais que sextuplicou seus investimentos entre 2002 e 2010 e outros programas e instrumentos de política foram criados ( seguro – safra , Programa de Compra de Alimentos, estimulo a compras locais pela Merenda Escolar, entre outros) e o recente Censo Agropecuário mostrou que a agropecuária de base familiar gera 3 em cada 4 empregos rurais do país e responde por quase 40% do valor da produção agrícola nacional. E o Nordeste se beneficiou muito desta política, pois abriga 43% da população economicamente ativa do setor agrícola brasileiro.



Resultado: o Nordeste liderou o crescimento do emprego formal no país com 5,9% de crescimento ao ano entre 2003 e 2009, taxa superior a de 5,4% registrada para o Brasil como um todo, e aos 5,2% do Sudeste, segundo dados da RAIS.



Daí a ampla aprovação do Governo Lula em todos os Estados e nas diversas camadas da sociedade nordestina se refletir na acolhida a Dilma. Não é o voto da submissão - como antes - da desinformação, ou da ignorância. É o voto da auto- confiança recuperada, do reconhecimento do correto direcionamento de políticas estratégicas e da esperança na consolidação de avanços alcançados – alguns ainda insipientes e outros insuficientes. É o voto na aposta de que o Nordeste não é só miséria (e, portanto, “Bolsa Família”), mas uma região plena de potencialidades.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Um voto em Dilma, por Luís Felipe Miguel

Caros e Caras,

mando esse email para meus amigos e amigas que estão pensando em votar nulo. Não preciso aqui manifestar meu apoio de longa data a Dilma e sei que para alguns esse email soará como parcial. Para todos e todas gostaria de dizer, e creio que a ampla maioria saiba disso, que nunca minhas escolhas políticas foram por interesses, mas sempre pela convicção do melhor programa e de que política é feito por coletivo, não somente por pessoas.

Nesse segundo turno de 2010 estamos vendo a política ser jogada no esgoto e uma campanha difamatória nojeta contra Dilma. Pelo que já estudei em Ciência Política, talvez só possa ser comparado com segundo turno de 1989. Em 1989 a direita desse país fez de tudo para derrotar o Lula e agora me parece estar decidida a fazer isso. Uso de todos os instrumentos, sem a menor vergonha. Tenha certeza que o nível irá só mais pra baixo até dia 31 de outubro.

Compartilho com vocês hoje o texto de um professor de Ciência Política da UnB que não vota no Lula faz tempo e votava nulo nas últimas eleições. Trago esse texto, pois sem que boa parte não iria ler se fosse um texto explicíto pró-dilma ou simplesmente meu pedido de voto pessoal. É uma opinião que deve ser de uma parcela importante de vcs e, por isso, decidi compartilhar. É curto, vale a pena ler e refletir sobre os rumos que a política tomaria quase o Serra vencesse essas eleições.

Forte Abraço

Rafael Pops


Um voto em Dilma, por Luis Felipe Miguel

Deve ter algo de bom no governo do PT. Se não, o que explica a histeria das elites tradicionais, da direita paulista, dos bem-nascidos de maneira geral, contra a candidatura da Dilma? A espiral da baixaria, que só rivaliza com Collor nas eleições de 1989?

José Serra, é claro, não tem nada a ver com isso. Não é culpa dele se ex-informantes da ditadura se dedicam a forjar documentos falsos contra Dilma. Nem se um jornalista d’O Globo decide fazer ecoar em rede nacional, com uma pergunta ofensiva, os boatos plantados na internet. Ou se os padres e pastores mais reacionários orquestram uma campanha de difamação contra ela. Ou se a grande imprensa é tão seletiva no seu noticiário. Mas se alguém lembra que a própria Mônica Serra, sua mulher, alardeou que Dilma defende a morte de criancinhas, o jeito é botar uma cara de indignado e reclamar que estão envolvendo familiares na discussão eleitoral.

Na luta desesperada por impedir um terceiro mandato petista na presidência, o PSDB e seus aliados romperam com os parâmetros éticos mais elementares. Sua campanha está dando uma contribuição decisiva para rebaixar ainda mais o nível, em geral já liliputiano, do debate político no Brasil. O preconceito e a desinformação foram escolhidos como as armas principais na discussão – até porque o registro dos oito anos de Fernando Henrique não concede a eles qualquer condição de travar o debate no âmbito das políticas de governo.

Sou dos que ficaram frustrados com o governo Lula. Frustrado com a política econômica que continuou beneficiando o capital financeiro, com a plena acomodação com as formas mais arcaicas de fazer política no Brasil, com a insensibilidade ambiental, com a busca deliberada de esvaziamento dos movimentos sociais, com a corrupção. Dilma tem Michel Temer como vice e um elenco de apoiadores que inclui Sarney, Jader Barbalho e Fernando Collor, entre tantos outros. Diante da investida conservadora nesta fase final da campanha, Dilma e o PT optaram por fazer concessão após concessão.

Nas eleições de 2006, assim como no primeiro turno de 2010, fiz uma orgulhosa opção pelo voto nulo. Neste momento, porém, escolho votar em Dilma. Sei dos problemas da aliança que a sustenta e não guardo nenhuma esperança quanto à sua administração. Mas votar em Dilma é o único meio de votar contra Serra. E evitar um governo do PSDB, que se apresenta, agora sem nenhuma máscara, como a opção da extrema direita, turbinado pelo fundamentalismo religioso e disposto a faturar politicamente com a intolerância e o preconceito.

Luis Felipe Miguel é professor de Ciência Política da UnB