sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Mais homenagens para Adão Pretto

Reproduzo aqui um poema do poeta Pedro Tierra.

Há uma gaita que geme e desafia
Filho do barro

e da esperança: Adão.



Pai

da palavra, da trova, do canto,

apoiado na gaita e na invenção.


Regressas ao barro,

na estação das chuvas,

como quem fecunda...

Levas no corpo que baixa sobre o pampa

– e se enterra com a lágrima

de teus irmãos e amores e filhos e sonhos –

a surda condição da semente.


Em que madrugada

o corpo de Adão Pretto

se apartou do barro

e se fez vagido, grito, palavra, canto?


Em que marcha as foices

levantaram a vontade da manhã,

acenderam a luz azul dos seus olhos

e desataram o rio da palavra

que brotou de sua garganta?


Havia uma cruz e uma encruzilhada.

Havia frio. E medo.

E a morte dos anjos.

Havia panos brancos sobre os braços da cruz

como bandeiras de paz.

Para que não se extravie a memória dos anjos.


Havia medo.

E a palavra como centelha

acendendo no acampamento

uma canção de coragem.

Ouvidos que ouvem e olhos que brilham

contra a tarde de cinzas.


Há uma gaita que geme e desafia.

Sempre haverá

enquanto houver ouvidos

que acolham e desafiem a ordem,

o medo, a submissão.


Não houve tempo para colher a semeadura.

Mas houve tempo suficiente para erguer os olhos

e deixá-los contemplar a bandeira vermelha

– sinal de terra livre –

no portal dos assentamentos.


Há uma gaita que geme e desafia

a ordem, o medo, a submissão.

A gaita de Adão Pretto

desafia o silêncio.


Brasília, 05 de fevereiro de 2009.

Pedro Tierra

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