'García Márquez não deve escrever mais', diz biógrafo
Há 18 anos Gerald Martín está vivendo mais a vida de Gabriel García Márquez que a sua própria. Confessa isso no pátio do Claustro de Santo Domingo, enquanto a luz do Caribe se dilui no entardecer. O diz com um bom espanhol, que aprendeu desde os treze anos em um colégio inglês.
Por José Luis Novoa, no Terra Magazine
Quando saiu da adolescência decidiu que lhe interessava conhecer algo do chamado terceiro mundo, mas não aquele que tinha a ver com o velho império britânico, por isso a América Latina resultou num destino natural.
Escreveu 2.500 páginas do que até agora é considerada a biografia mais profunda sobre García Márquez, prêmio Nobel de literatura em 1982. As conveniências editoriais o obrigaram a deixá-la com um pouco mais de 500, que foram publicadas recentemente em inglês com o título de Gabriel García Márquez — A Life e pela qual o público hispano-americano deverá esperar até o próximo mês de outubro.
E não vai parar. "Já tenho mais de 6 mil notas de rodapé e espero continuar até a véspera da minha morte". Da sua biografia, o que considera um "oráculo" da América Latina, diz o contrário: "Eu acredito que provavelmente Gabo não vai escrever muito mais".
Começou como um projeto de quatro anos, que se tornaram dezoito até ver publicada a biografia, que foi precedida por um estudo crítico da obra e que será continuada com os "bastidores" da biografia, para a qual entrevistou centenas de poderosos e pessoas próximas ao escritor colombiano.
Antes de conhecer profundamente a obra de García Márquez, se dedicou, casualmente, a dois dos que são considerados seus principais rivais literários na América Latina: o guatemalteco Miguel Ángel Asturias e o peruano Mario Vargas Llosa.
Uma coincidência trágica o aproximou muito mais de García Márquez. Em 1995 Martin começou a sua luta contra um câncer linfático, a mesma doença que atacaria o escritor poucos anos depois. Martín achou que a superstição de García Márquez sobre a morte o induziria a achar que o seu biógrafo tinha algo a ver com o seu próprio padecimento.
Foi ao contrário. "Gabo começou a me cuidar mais, como se fosse menos incômodo que no passado", diz. "Uma vez me disse que éramos colegas, guerreiros e sortudos sobreviventes".
Sobre o quanto de verdade ou de mentira há no que diz García Márquez, Martín opina que "mente pouco, mas inventa muito. Quase sempre há um núcleo de verdade no que diz, mas ele brinca, modifica, tira sarro dos jornalistas".
Conhecer o Gabo (Apelido de Gabriel Garcia Márquez)
Esta é, nas palavras do próprio Martín, a historia de como conheceu o escritor, há dezoito anos.
Como um inglês pérfido e cínico, decidi ir a Havana porque sabia que ele sempre ia ao Festival de Cinema. Pensei: ‘Se não for a minha vez de conhecer o Gabo, pelo menos era a minha vez de conhecer o festival de Havana’.
Fui em 1990. A primeira coisa que tive que fazer foi descobrir onde morava García Márquez, que era um grande segredo em Havana. Há muitos segredos em Havana e esse era um deles. Tomando muitos mojitos (bebida típica) finalmente um jovem de Zimbábue me disse que ele sabia onde morava García Márquez e eu perguntei a ele como havia descoberto. Então ele me contou isto:
Em um 31 de dezembro havia terminado o plantão noturno no hospital e com uns companheiros íamos pelas ruas, quando parou do meu lado um grande Mercury preto e dele desce um senhor de barba e com uniforme militar que me pergunta: "Rapaz, aonde vocês vão?" Dissemos a ele que íamos para casa, que estávamos mortos de cansaço. 'Não. Vocês vão a uma festa com um grande amigo meu', nos disse".
Naturalmente eles foram para a casa de García Márquez, que sempre faz uma festa no dia 31 de dezembro em Havana. Ali estavam ele e Mercedes, a sua esposa e, naturalmente, eles iam guiados pela mão de Fidel Castro.
Fidel Castro negou a minha historia, dizendo-me que simplesmente era uma invenção e que esperava que todo o que eu colocasse na biografia não fossem coisas desse tipo. Gabo me disse que evidentemente era mentira, mas era tão convincente que eu continuo acreditando nessa historia. E, de todos os modos, o jovem de Zimbábue sabia mesmo onde morava García Márquez. E me orientou que se não pudesse chegar pelas boas maneiras, poderia chegar pelas más, quase como os jornalistas dos tablóides britânicos que colocam o pé na porta.
A verdade é que sim, fui um dia desesperado à casa de García Márquez. É verdade, e coloquei o meu pé na porta. Então veio uma pessoa que eu conhecia bastante, que era uma amiga e companheira de García Márquez e que me disse, quando eu já quase estava apertando a campainha, que se eu fizesse isso, García Márquez nunca falaria comigo. 'E vai perder esta biografia'.
Estive com essa mulher há duas semanas e ela me levou de novo à casa de García Márquez. Quando cheguei, ele estava com o meu livro nas mãos. Isso é o que se chama um final feliz depois de 18 anos.
Aquele dia ela me disse que eu esperasse e quatro horas depois recebi uma mensagem que dizia "Vou te dar dez minutos. Meu Mercedes preto vai te buscar. Não disse Mercedes preta, então eu sabia que não se tratava da sua esposa. O carro veio e o resto é historia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário