sábado, 30 de maio de 2009

Sobre as Coréias!


Sobre a Guerra da Coréia

Caros e Caras,

Trago no blog hoje um bom texto sobre a guerra da coréia. O motivo deste texto é tentar entender um pouco do que está acontecendo hoje em dia na península coreana.

São anos de ocupação japonesa, depois norte-americana e uma longa história que precisa ser conhecida e não ficar réfem da opinião da mídia.

Este texto foi publicado no Le MOnde Diplomatique em dezembro de 2004.

CORÉIA DO NORTE

Memórias de fogo

Os Estados Unidos, que acusam a Coréia de estar produzindo armas de
destruição em massa, não hesitaram, desde os anos 40, em usá-las. É esta a
história desconhecida da guerra do Coréia, que aniquilou cidades e matou
milhões de pessoas com bombardeios de napalm



Bruce Cumings


Na Coréia, foi despejada uma quantidade maior de napalm do que no Vietnã,
com efeito bem mais devastador


Mais que uma guerra "esquecida", valeria a pena falar, tratando-se da
guerra da Coréia (1950-1953), de uma guerra desconhecida. O efeito
inacreditavelmente destrutivo das campanhas aéreas norte-americanas contra
a Coréia do Norte – que foram do despejo contínuo e em grande escala de
bombas incendiárias (essencialmente com napalm) às ameaças de recurso a
armas nucleares e químicas1 e à destruição de gigantescas barragens
norte-coreanas na fase final da guerra – é indelével. Estes fatos são no
entanto pouco conhecidos, mesmo pelos historiadores, e as análises da
imprensa sobre o problema nuclear norte-coreano nestes últimos dez anos
nunca as mencionaram.


A guerra da Coréia tem fama de ter sido limitada, mas ela foi bem parecida
com a guerra aérea contra o Japão imperial durante a Segunda Guerra
mundial. E foi freqüentemente dirigida pelos mesmos responsáveis militares
norte-americanos. Se os ataques de Hiroshima e Nagasaki foram objeto de
inúmeras análises, os bombardeios incendiários contra as cidades japonesas
e coreanas receberam bem menos atenção. Quanto às estratégias nuclear e
aérea de Washington no nordeste asiático depois da guerra da Coréia, estas
foram ainda menos compreendidas, ao passo que estas estratégias definiram
as escolhas norte-coreanas e permanecem um fator chave na elaboração da
estratégia norte-americana em matéria de segurança nacional. (...)


O napalm foi inventado no fim da Segunda Guerra mundial. Sua utilização
provocou um debate de grandes proporções durante a guerra do Vietnã,
fomentado por fotos intoleráveis de crianças que corriam nuas sobre as
estradas, com a pele em farrapos... Uma quantidade ainda maior de napalm
foi no entanto despejada sobre a Coréia, com efeito bem mais devastador,
porque a República Popular Democrática da Coréia (RPDC) tinha maior número
de cidades populosas que o Vietnã do Norte. Em 2003, eu participe de uma
conferência ao lado de ex-combatentes norte-americanos da guerra da
Coréia. No momento de uma discussão a respeito de napalm, um sobrevivente
da batalha do Reservatório de Changjin (Chosin, em japonês), que havia
perdido um olho e uma parte da perna, afirmou que esta arma era, bem
entendido, ignóbil, mas que ela «caíra sobre as pessoas boas».


Cenas macabras
Quando o napalm havia queimado completamente a pele, ela se descolava em
farrapos do rosto, dos braços, das pernas.. como batatas chips


As pessoas boas? Como quando um bombardeio atingiu por engano uma dúzia de
soldados norte-americanos: "Em toda minha volta os homens estavam
queimados. Eles rolavam na neve. Homens que eu conhecia, com quem eu havia
marchado e combatido, suplicavam que eu atirasse neles... Era terrível.
Quando o napalm havia queimado completamente a pele, ela se descolava em
farrapos do rosto, dos braços, das pernas... como batatas chips2".


Um pouco mais tarde, George Barrett, do New York Times, descobriu um
"tributo macabro à totalidade da guerra moderna" numa vila ao norte de
Anyang (Coréia do Sul): "Os habitantes de toda a cidade e dos campos em
torno foram mortos e conservaram exatamente a posição em que estavam
quando foram atingidos pelo napalm: um homem se preparava para montar na
bicicleta, cinco dezenas de crianças brincavam num orfanato, uma mãe de
família estranhamente intacta tinha na mão uma página do catálogo
Sears-Roebuck onde estava o pedido n° 3 811 294 de uma ‘encantadora
espreguiçadeira de cor coral’". Dean Acheson, secretário de Estado, queria
que este tipo de «reportagem sensacionalista» fosse denunciada à censura,
a fim de que se possa nelas colocar um fim3.


Uma das primeiras ordens para incendiar as cidades e as vilas que
encontrei nos arquivos foi dada no extremo sudeste da Coréia, enquanto
combates violentos se desenrolavam ao longo do perímetro de Pusan. Era o
começo de agosto de 1950, quando milhares de guerrilheiros assediavam os
soldados norte-americanos. No dia 6 de agosto de 1950, um oficial
norte-americano deu à força aérea a ordem de "obliterar as seguintes
cidades": Chongsong, Chinbo e Kusu-Dong. Bombardeiros estratégicos B-29
foram igualmente empregados para bombardeios táticos. No dia 16 de agosto,
cinco formações de B-29 atacaram uma zona retangular próxima ao front, que
contava um grande número de cidades e vilas. Criaram um oceano de fogo,
despejando centenas de toneladas de napalm. Uma ordem semelhante foi
emitida no dia 20 de agosto. E no dia 26 de agosto, encontramos nestes
mesmos arquivos a simples menção: "onze vilas incendiadas4". (...)


Chuvas de napalm
Os pilotos despejavam enormes quantidades de napalm sobre objetivos
secundários, se o alvo principal não fosse atingido


Os pilotos tinham ordem de atacar os alvos que eles pudessem discernir
para evitar atingir civis, mas eles bombardeavam freqüentemente centros
populacionais importantes identificados por radar, ou despejavam enormes
quantidades de napalm sobre objetivos secundários, nos casos em que o alvo
principal não pôde ser atingido. A cidade industiral de Hungnam foi alvo
de um ataque maior no dia 31 de julho de 1950, no curso do qual 500
toneladas de bombas foram soltas através das nuvens. As chamas se elevaram
a até uma centena de metros. O exército norte-americano despejou 625
toneladas de bombas sobre a Coréia do Norte no dia 12 de agosto, uma
tonelagem que teria requerido uma frota de 250 B-17 durante a Segunda
Guerra mundial. No fim de agosto, as formações de B-29 derramavam 800
toneladas de bombas por dia sobre o Norte5. Esta tonelagem consistia em
grande parte em napalm puro. De junho a fim de outubro de 1950, os B-29
derramaram 3,2 milhões de litros de napalm.


No seio da força aérea norte-americna, alguns se deleitavam com as
virtudes deste exército relativamente novo, introduzido no fim da guerra
precedente, rindo-se dos protestos comunistas e confundindo a imprensa ao
falar de "bombardeios de precisão". Os civis, gostavam eles de supor, eram
prevenidos da chegada dos bombardeiros por panfletos, enquanto que todos
os pilotos sabiam que estes panfletos não tinham qualquer efeito6. Isso
não era mais que um prelúdio da destruição da maioria das cidades e vilas
norte-coreanas que iria se seguir à entrada da China na guerra.


A entrada dos chineses no conflito provocou uma escalada imediata da
campanha aérea. A contar do início de novembro de 1950, o general
MacArthur ordenou que a zona situada entre o front e a fronteira chinesa
fosse transformada em deserto, que a viação destruísse todos os
"equipamentos, usinas, cidades e vilas" nos milhares de quilômetros
quadrados do território norte-coreano. Como relatou um assessor militar
britânico do quartel-general de MacArthur, o general norte-americano deu
ordem para "destruir todos os meios de comunicação, todos os equipamentos,
usinas, cidades e vilas", com exceção das barragens de Najin, próximas à
fronteira soviética e de Yalu (poupadas para não provocar Moscou e
Pequim). "Esta destruição [deveria] começar na fronteira manchu e
continuar em direção ao sul". No dia 8 de novembro de 1950, 79 B-29
despejaram 550 toneladas de bombas incendiárias sobre Sinuiju, "riscando
[a cidade] do mapa". Uma semana depois, um dilúvio de napalm se abatia
sobre Hoeryong "com o objetivo de liquidar o local". No dia 25 de
novembro, "uma grande parte da região noroeste entre Yalu e as linhas
inimigas mais ao sul [...] está mais ou menos incendiada". A zona logo
iria se tornar uma "extensão deserta de terra queimada7".


Ameaça atômica
Em várias ocasiões, o uso de bomba atômica foi considerado e debatido
entre os comandantes americanos


Tudo isso se passava antes da grande ofensiva sino-coreana, que expulsou
as foças da ONU do norte da Coréia. No início do ataque, nos dias 14 e 15
de dezembro, a aviação norte-americana soltava sobre Pyongyang 700 bombas
de 500 libras, napalm derramado por aviões de combate Mustang, e 175
toneladas de bombas de demolição de efeito retardado, que aterrorizavam
com um barulho surdo e explodiam em seguida, quando as pessoas tentavam
salvar os mortos dos braseiros acesos pelo napalm. No início de janeiro, o
general Ridgeway ordenou de novo qua a aviação atacasse a capital
Pyongyang "com o objetivo que foi alcançado em dois tempos, nos dias 3 e 5
de janeiro". À medida que os norte-americanos se retiravam para o sul do
paralelo 30, a política incendiária da terra arrasada prosseguiu:
Uijongbu, Wonju e outras pequenas cidades do sul, das quais o inimigo se
aproximava, foram a presa das chamas8.


A aviação militar tentou também decapitar a direção norte-coreana. Durante
a guerra no Iraque em março de 2003, o mundo conheceu a existência da
bomba denominada "MOAB" (Mother of all bombs, ou Mãe de todas as bombas),
que pesa 21.500 libras e tem uma capacidade explosiva de 18 mil libras de
TNT. A Newsweek publicou uma foto dela em sua capa, com o título "Por que
a América dá medo no mundo? 9". No decurso do inverno de 1950-1951, Kim Il
Sung e seus aliados mais próximos haviam voltado a seu ponto de partida
dos anos 30 e se abrigavam em profundos bunkers em Kanggye, perto da
fronteira manchu. Depois de três meses de vãs buscas a partir do
desembarque de Inch’on, os B-29 despejaram bombas "Tarzan" sobre Kanggye.
Tratava-se de uma bomba nova, enorme, de 12 mil libras, nunca utilizada
antes. Mas não era mais que um foguete ao lado da arma incendiária final,
a bomba atômica.


No dia 9 de julho de 1950, apenas duas semanas depois do começo da guerra,
o general MacArthur enviou ao general Ridgeway uma "mensagem urgente" que
incitou os chefes do Estado Maior (CEM) "a examinar se seria necessário ou
não dar ’bombas A’ a MacArthur". O general Charles Bolte, chefe das
operações, foi encarregado de discutir com MacArthur sobre a utilização de
bombas atômicas "em apoio direto aos combates terrestres". Bolte avaliava
que se poderia reservar de dez a vinte bombas para o teatro coreano sem
que as capacidades militares globais dos Estados Unidos se encontrassem
afetadas "além da medida". MacArthur sugeriu a Bolte uma utilização tática
das armas atômicas e lhe fez uma exposição sumária das ambições
extraordinárias que ele alimentava no âmbito da guerra, especialmente a
ocupação do Norte e uma resposta a uma potencial intervenção chinesa ou
soviética, como segue: «Eu os isolarei na Coréia do Norte. Na Coréia, eu
vejo um beco sem saída. Apenas as passagens provenientes da Manchúria e
Vladivostock comportam inúmeros túneis e pontes. Eu vejo aí uma ocasião
única de utilizar a bomba atômica, para fazer um ataque que barraria a
estrada e demandaria um trabalho de reparação de seis meses".


A China na mira
As armas atômicas não seriam empregadas na Coréia, exceto em uma campanha
atômica contra a China maoísta


Nesta fase da guerra, no entanto, os chefes do Estado Maior rejeitaram o
uso da bomba, pois faltavam alvos suficicientemente importantes para
necessitar de armas nucleares; temiam também as reações da opinião mundial
cinco anos após Hiroshima e esperavam que o curso da guerra fosse mudado
por meios militares clássicos. O cálculo não foi mais o mesmo desde que
consideráveis contingentes de soldados chineses entraram na guerra em
outubro de 1950.


Na ocasião de uma famosa entrevista coletiva, no dia 30 de novembro, o
presidente Truman desfraldou a ameaça da bomba atômica10. Não era um
blefe, como se supunha então. No mesmo dia, o general da força aérea
Stratemeyer enviou ordem ao general Hoyt Vandenberg para colocar em alerta
o comando aéreo estratégico "a fim de que ele esteja pronto para enviar
sem atraso formações de bombardeiros equipados de bombas médias ao Extremo
Oriente [...] este suplemento [devendo] compreender capacidades atômicas".


O brigadeiro Curtis LeMay se lembra claramente que os CEM haviam chegado
anteriormente à conclusão de que as armas atômicas provavelmente não
seriam empregadas na Coréia, exceto no caso de uma "campanha atômica geral
contra a China maoísta". Mas, como as ordens mudavam em razão da entrada
das forças chinesas na guerra, LeMay queria ser encarregado da tarefa; ele
declarou a Stratemeyer que seu quartel general era o único a possuir a
experiência, a formação técnica e "o conhecimento íntimo" dos métodos de
lançamento. O homem que dirigiu o bombardeio incendiário de Tóquio em
março de 1945 estava pronto a voltar ao Extremo Oriente para comandar os
ataques11. Washington se preocupava pouco, na época, em saber como Moscou
iria reagir, pois os norte-americanos possuíam ao menos 450 bombas
atômicas, enquanto os soviéticos tinham apenas 25.


Planos de ataque
MacArthur afirmava ter um plano que permitiria ganhar a guerra em dez
dias, usando bombas de cobalto


Pouco tempo depois, no dia 9 de dezembro, MacArthur fez saber que queria
um poder discricionário no que dizia respeito à utilização de armas
atômicas sobre o teatro coreano, e, no dia 24 de dezembro, ele entregou
uma "lista de alvos que devem retardar o avanço inimigo" para os quais ele
dizia ter necessidade de 26 bombas atômicas. Ele pedia, além disso, que
quatro bombas fossem lançadas sobre as "forças de invasão" e quatro outras
sobre as "concentrações inimigas cruciais de meios aéreos".


Em entrevistas divulgadas depois de sua morte, MacArthur afirmava ter um
plano que permitia ganhar a guerra em dez dias: "eu teria despejado três
dezenas de bombas atômicas [...] arrasando tudo ao longo da fronteira com
a Manchúria". Ele teria em seguida levado 500 mil soldados da China
nacionalista a Yalu, depois teria "espalhado atrás de nós, do mar do Japão
ao mar Amarelo, um cinturão de cobalto radioativo [...] cuja duração de
vida ativa se situa entre 60 e 120 anos. Durante 60 anos ao menos, não
seria possível uma invasão terrestre da Coréia pelo norte". Ele tinha
certeza de que os Russos nada fariam diante desta estratégia do extremo:
"Meu plano era simples como um bom-dia12".


A radioatividade do cobalto 60 é 320 vezes mais elevadas que a do rádio.
Segundo o historiador Carroll Quigley, uma bomba H de 400 toneladas de
cobalto poderia destruir toda vida animal sobre a terra. As propostas
belicistas de MacArthur parecem insensatas, mas ele não era o único a
pensar dessa maneira. Antes da ofensiva sino-coreana, um comitê submetido
aos chefes do Estado Maior havia declarado que as bombas atômicas poderiam
se mostrar como "fator decisivo" que bloquearia o avanço chinês na Coréia.
No início, via-se eventualmente sua utilização num "cordão sanitário [que
poderia] ser estabelecido pela ONU, seguindo uma faixa situada da
Manchúria até o norte da fronteira coreana".


Sugestão de cataclisma
Em 1951, Truman se livrou de MacArthur para manter aberta sua política em
matéria de armas atômicas


Alguns meses mais tarde, o deputado Albert Gore (o pai de Al Gore,
candidato democrata derrotado em 2000, que se opôs em seguida à guerra do
Vietnã), deplorava que "a Coréia [faça] a cama da virilidade
norte-americana" e sugeria que se pusesse um fim à guerra com "alguma
coisa cataclísmica" - a saber, um cinturão radioativo que dividiria a
península coreana em duas de maneira permanente. Ainda que o general
Ridgeway não tenha falado de bomba de cobalto, depois de ter sucedido
MacArthur enquanto comandante norte-americano na Coréia, ele renovou em
maio de 1951 o pedido formulado por seu predecessor no dia 24 de dezembro,
reivindicando desta vez 38 bombas atômicas13. Esse pedido não foi aceito.


No início de abril de 1951, os Estados Unidos estiveram a um passo de
utilizar armas atômicas, no momento, precisamente, em que Truman destituía
MacArthur. Se as informações a respeito desse episódio permaneceram ainda
em grande parte classificadas como secretas, é agora claro que Truman não
destituiu MacArthur unicamente em razão de sua insubordinação reiterada,
mas porque ele queria um comandante confiável no local, caso Washington
decidisse recorrer às armas atômicas. Em outros termos, Truman se livrou
de MacArthur para manter aberta sua política em matéria de armas atômicas.
No dia 10 de março de 1951, depois que os chineses concentraram novas
forças perto da fronteira coreana e que os soviéticos estacionaram 200
bombardeiros sobre as bases aéreas da Manchúria (de onde eles poderiam
atingir não apenas a Coréia, mas as bases norte-americanas no Japão) 14,
MacArthur pediu uma "força atômica do tipo Dia D", a fim de conservar a
superioridade aérea no teatro coreano. No dia 14 de março, o general
Vandenberg escrevia: "Finletter e Lovett alertados sobre as discussões
atômicas. Eu creio que está tudo pronto". Fim de março, Stratemeyer
relatou que os fossos de carregamento de bombas atômicas sobre a base
aérea de Kadena, em Okinawa, estavam novamente operacionais. As bombas
foram transportadas para lá em peças separadas e montadas depois na base,
faltando apenas carregar o miolo nuclear. No dia 5 de abril, os CEM
ordenaram que represálias atômicas imediatas fossem lançadas contra as
bases manchus se novos contingentes importantes de soldados chineses se
juntassem aos combates ou, ao que parece, se bombardeiros partissem de lá
contra posições norte-americanas. No mesmo dia, Gordon Dean, presidente da
Comissão sobre Energia Atômica, tomou medidas para fazer a transferência
de nove ogivas nucleares Mark IV para o 9o grupo de bombardeiros da
aviação militar, destinado ao transporte de bombas atômicas. (…)


Milhões de mortos
Durante três anos, os norte-coreanos se viram diante da ameaça cotidiana
de serem queimados pelo napalm


Os chefes do Estado Maior cogitaram novamente o emprego de armas nucleares
em junho de 1951 – desta vez, do ponto de vista tático sobre o campo de
batalha15 – e foi o caso de várias outras situações até 1953. Robert
Oppenheimer, ex-diretor do Projeto Manhattan, trabalhou sobre o "Projeto
Vista", destinado a avaliar a viabilidade do uso tático de armas atômicas.
No início de 1951, um jovem chamado Samuel Cohen, que estava em missão
secreta para o departamento de defesa, estudou as batalhas que conduziram
à segunda tomada de Seul e concluiu que deveria existir um meio de
destruir o inimigo sem destruir a cidade. Ele se tornaria o pai da bomba
de nêutrons16.


O projeto nuclear mais aterrorizante dos Estados Unidos na Coréia foi
provavelmente a operação Hudson Harbor. Esta operação parece ter feito
parte de um projeto mais vasto que tratava da «especulação aberta pelo
departamento de defesa e especulação clandestina por parte da Central
Intelligence Agency, na Coréia, sobre a possibilidade de utilizar novas
armas» (um eufemismo designando o que se chama hoje de armas de destruição
em massa). (...)


Sem recorrer às «novas armas», ainda que o napalm fosse muito novo na
época, a ofensiva aérea não deixou de arrasar a Coréia do Norte e de matar
milhões de civis antes do fim da guerra. Durante três anos, os
norte-coreanos se viram diante da ameaça cotidiana de serem queimados pelo
napalm: "Não se podia escapar", disse-me um deles em 1981. Em 1952,
praticamente tudo havia sido completamente arrasado no centro e no norte
da Coréia. Os sobreviventes viviam em grutas. (...)


Cidades aniquilidadas
Depois do armistício, das 22 principais cidades do país, 18 haviam sido
aniquladas no mínimo pela metade


No decorrer da guerra, escrevia Conrad Crane, a força aérea
norte-americana «provocou uma destruição terrível em toda a Coréia do
Norte. A avaliação, na época do armistício, dos prejuízos causados pelos
bombardeios revelou que das 22 principais cidades do país, 18 haviam sido
aniquiladas no mínimo pela metade». Sobressaía de um quadro estabelecido
pelo autor que as grandes cidades industriais de Hamh˘ung e de H˘ungnam
haviam sido destruídas em 80 a 85%, Sariw˘on em 95%, Sinanju em 100%, o
porto de Chinnamp’o em 80% e Pyongyang em 75%. Um jornalista britânico
descrevia uma das milhares de vilas aniquiladas como "um montículo
expandido de cinzas violetas". O general William Dean, que foi capturado
depois de batalha de Taej˘on, em julho de 1950, e levado ao Norte,
declarou em seguida que da maioria das cidades e vilas que ele viu, não
restou mais que "entulho ou ruínas cobertas de neve". Todos os coreanos
que ele encontrou, ou quase, haviam perdido um parente no bombardeio17.
Winston Churchill, no fim da guerra, se emocionou e declarou a Washington
que no momento em que o napalm foi inventado no fim da Segunda Guerra
mundial, ninguém imaginava que se iria "aspergi-lo" sobre uma população
civil18.


Tal foi a "guerra limitada" travada na Coréia. À guisa de epitáfio para
esta guerra aérea desenfreada, citemos o ponto de vista de seu arquiteto,
o general Curtis LeMay, que declarou depois do início do conflito: "De
certa forma nós colocamos por baixo da porta do Pentágono um bilhete
dizendo: ‘Nos deixem ir até lá [...] incendiar cinco das maiores cidades
da Coréia do Norte – elas não são muito grandes – isso deverá acertar as
coisas’. Bem, nos responderam aos gritos – ‘Vocês vão matar inúmeros
civis’ e ‘é horrível demais’. No entanto, em três anos (...) nós
incendiamos todas [sic] as cidades da Coréia do Norte, assim como da
Coréia do Sul (...). Em três anos, é aceitável, mas matar algumas pessoas
para resolver o problema, muita gente não consegue conceber 19".


(Trad. : Fabio de Castro)


1 - Stephen Endicott, Edward Hagerman, “As armas biológicas da guerra da
Coréia”, Le Monde diplomatique, julho de 1999.
2 - Citado em Clay Blair, Forgotten War, p. 515.
3 - Arquivos nacionais norte-americanos, dossiê 995.000, caixa 6175,
despacho de George Barrett, 8 de fevereiro de 1951.
4 - Arquivos nacionais, RG338, dossiê KMAG, caixa 5418, diário KMAG,
entradas dos 6, 16, 20 e 26 de agosto de 1950.
5 - New York Times, 31 de julho, 2 de agosto e 1o de setembro de 1950.
6 - Ver “Air War in Korea”, em Air University Quarterly Review 4, n° 2,
outono de 1950, pp. 19-40 e “ Precision bombing ” in Air University

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