Sala de aula inibe criatividadeEstudo da UnB revela que professores não estimulam a produção de ideias e que oportunidades para participação dos alunos são limitadaCamila Rabelo
Da Secretaria de Comunicação da UnBAs salas de aula estão longe de ser um ambiente propício à criatividade. Espaços para questionamentos, intervenções e pensamentos divergentes ainda são muito limitados nas escolas, segundo pesquisa da Universidade de Brasília realizada com 225 alunos da 5ª série de uma instituição pública do Distrito Federal. Embora fundamental para o estímulo à curiosidade e para a produção de ideias, a interação entre professores e estudantes é defasada, conforme revelou o estudo.
“Ainda falta clareza quanto à necessidade de o aluno perder o medo de errar, ter a ousadia de falar à vontade e pensar diferente. É preciso considerar toda a produção do aluno, gerando um clima de confiança na sala de aula”, afirma a psicóloga Ana Clara Libório, autora da pesquisa. Ela avaliou 160 minutos de aula de oito disciplinas da 5ª série, entrevistou professores e aplicou questionários aos estudantes.
De 611 episódios de interação observados nas salas de aula, apenas 91 demonstravam sintonia e cooperação entre os adolescentes e os mestres, o equivalente a 14,8% do total. Outras 143 situações (23,4%) apontavam domínio de um ator sobre o outro e desconsideração de opiniões, seja por parte do professor ou do aluno. Posturas que inibem o interesse e participação nas aulas ou mesmo o ânimo do docente com a turma.
“Nos ambientes mais favoráveis à criatividade, observamos que o professor não só está atento às demandas e ideias apresentadas pelos alunos, como também às intervenções que não se referem ao tema da aula, incentivando a imaginação”, avalia Ana Clara. Segundo ela, os adolescentes passam a ter mais interesse pela disciplina quando recebem essa atenção.
MAIS INTERESSE - Os resultados da pesquisa coincidem com os discursos de alunos da rede pública do DF. As estudantes da 5º série do Centro de Ensino Fundamental Nº 2 do Guará, Carla Fragoso, 12 anos, Isabel Medeiros, 11 anos, e Aline Dias, 10 anos, não demoram muito para responder sobre a aula que mais gostam, de História. A simpatia com a disciplina, porém, não está relacionada ao conteúdo, mas à maneira com que ele é transmitido. “O professor brinca e interage com a gente, é divertido”, diz Carla, com o consentimento das amigas.
Isabel explica a diferença com as demais matérias: “Quando o professor só escreve no quadro, explica e fica sentado, as aulas são entediantes.” O colega das três meninas, Matheus de Sousa, 10 anos, prefere a aula de Português. “Cada dia a gente faz uma atividade diferente, nós mesmos podemos inventar textos e até fazemos poesias”, relata.
Feliz com o reconhecimento, a professora de Português da escola, Francisca Barros, conta que há maior interesse da turma quando as atividades em sala de aula são diversificadas. “Procuro entender melhor o perfil do aluno e trazer a aula para o seu cotidiano”, explica.
Apesar de as interações entre professores e alunos serem tímidas, a compreensão demonstrada por Francisca estende-se a um número cada vez maior de docentes, de acordo com a pesquisa. O estudo analisou 377 episódios em que os estudantes participam com dúvidas e comentários em relação ao conteúdo da disciplina, esse tipo de interação correspondeu a 61,7% do total observado.
O número, aliado à análise das entrevistas, indica que os professores consideram que aspectos ambientais e individuais dentro da sala de aula favorecem o desenvolvimento da turma. “Eles estão cientes da importância de estabelecerem um clima favorável à criatividade, de estarem mais abertos aos questionamentos dos alunos”, afirma a professora do Instituto de Psicologia da UnB e orientadora do estudo, Marisa Brito da Justa Neves.
FALTA AUTONOMIA - Mas nem sempre é fácil mudar a rotina nas escolas. A pesquisa mostrou que os estudantes não são autônomos, ou seja, não conseguem se envolver em atividades com independência. Na análise de cinco fatores do questionário aplicado aos adolescentes, a autonomia obteve os menores resultados. A média das oito turmas foi 2,81 em uma escala de um a cinco. Os quatro outros aspectos analisados mantiveram médias entre três e quatro. “A grande queixa dos professores é em relação ao interesse dos jovens. Eles esperam sempre modelos prontos. Contudo, a independência não é muito estimulada, o silêncio é muito mais valorizado que a curiosidade”, analisa Ana Clara Libório.
Matheus Pinheiro, 10 anos, aluno da 5ª série do Centro de Ensino Fundamental Polivalente, confessa que sente vergonha de fazer perguntas na sala de aula. Da Escola Classe 405 Sul, Maria Clara Furtado, 10 anos, não esconde que é dispersa, gosta de conversar e é chamada a atenção por várias vezes.
Lidar com essa disparidade exige muito domínio por parte do professor, afirma Veralúcia Moreira, professora de Matemática da instituição onde estuda Maria Clara. Segundo ela, muitas atividades viram bagunça e não cumprem a finalidade proposta. “A disciplina exige concentração, silêncio, e os alunos não retornam à aula depois de atividades em grupo ou de caráter lúdico. As turmas são cheias, e os professores têm de ter muito domínio”, desabafa Veralúcia.
Para a professora de História do Centro de Ensino Fundamental Nº 2 do Guará Glória Amâncio da Silva, os docentes não estão preparados para aulas que instiguem a criatividade dos alunos. “As licenciaturas ensinam apenas conteúdo e esquecem de abordar estratégicas de ensino. O professor se prepara sozinho para encarar a sala de aula”, diz.
Mas posturas simples podem fazer diferença no interesse dos alunos pelo conteúdo, ressalta Ana Clara. Entre elas falar pausadamente; parar a aula para ouvir perguntas e contribuições dos alunos; e procurar incluir toda a turma nas discussões, em vez de voltar-se para um grupo.
O estudo não avaliou diferenças entre as disciplinas, mas nem sempre as mais favoráveis ao desenvolvimento da criatividade, como Artes, são as que apresentam condições para o desenvolvimento da habilidade. “O fundamental é a qualidade da interação entre professores e alunos, independentemente do conteúdo”, afirma a pesquisadora.
Um comentário:
É isso mesmo Pops!!! Esse Zé Ricardo é mesmo a frente do seu tempo. Vem falando isso há pelo menos 5 anos! risos...
Estou levando essa matéria para o Indi e entregarei a uma galera por aqui.
beijo
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